Angelita me abandona

"Quando a criança era criança e balançava os braços sem saber imaginava que o riacho fosse rio e também o mar fosse rio, embora pudesse ser mar, mas não sabia que tudo não passava de uma pequena poça de chuva, quando por acaso chovia".
Quando a criança era criança a vida era uma só e ela não tinha nem opiniões nem hábitos, desconhecia as ruas e não fazia poses para fotos, nem\ erguia a cabeça contra o céu aberto - o universo era uma casa de um andar e um homem tomando banho no quintal.
Como no parto, as mulheres acabam com suas vidas, não é possível esquecer o pôr-de-sol - e os tempos e os acontecimentos que passaram são fluidos. Há colinas não muito altas - chega um avião e as árvores se encrespam contra o ruído.
O guarda-chuva está encharcado e já não protege - o homem se resigna e enfrenta a chuva, os livros antigos exorcisam o pensamento e o calor das mãos diante da imagem imóvel evoca a música sacra e o enlevo de se sentir, como as crianças, perpétuo.
(trecho de "quando a criança era criança" de Asas do Desejo, de Win Wenders)
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