A vida como ela é.

Foto de Miguel A. Lopes Migufu
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CLESSI – Está vendo como estou gorda, velha, cheia de varizes e de dinheiro?
ROBERTO – Não se nota.
CLESSI – Mas é. Está escrito.
ROBERTO – Não acredito.
CLESSI – (Acendendo uma piteira) - Hoje as palavras estão corrompidas, Roberto. No meu tempo eram jóias guardadas em cofre.
ROBERTO – Li o seu diário.
CLESSI – Leu? Duvido. Onde?
ROBERTO – Li, sim. Quero morrer agora mesmo, se não é verdade!
CLESSI – Então diga como é que começa.
ROBERTO – Quer ver? É assim… “Hoje vou falar com Roberto, não sei se devo dizer, acho melhor não. Roberto é inocente e não é, é culpado e não é. Tem medo de si mesmo e não tem.” É assim que começa.
CLESSI – Assim mesmo.
ROBERTO – Não sei como a senhora pôde escrever aquilo! Como teve coragem!
CLESSI – Mas não é só aquilo. Tem outras coisas.ROBERTO – Eu sei. Tem muito mais. Não devia, mas estou aqui! Não sei o que é que eu tenho. É uma coisa – não sei. Por que é que eu estou aqui?
CLESSI – É a mim que você pergunta?
ROBERTO – Por que é?
CLESSI – Porque você tem medo de ofender e humilhar, Roberto.
ROBERTO – Eu?
CLESSI – Você! E devia.
ROBERTO – É que não quero.
CLESSI – O sofrimento.
ROBERTO – Pra quê? A senhora é má. Não devia chamar-se Clessi, devia chamar-se Peixoto, Amado, Patrício. Devia ser homem.
CLESSI – (Vai tirando-lhe a roupa) – É o sofrimento que faz da vida uma relação mágica, Roberto. Misteriosa. Nunca pode haver distância entre o homem e o seu sofrimento eterno, o abismo da consciência. O homem diante do sofrimento perde a noção da própria identidade. Nu, diante do seu sofrimento, ele é o homem, o verdadeiro. A grande vida só começa depois do sofrimento.


O texto aqui publicado é fragmento da adaptação de Edson Bueno. Ctba-2009
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