Uma Breve Histoire d´Amour

Foto de Adriana Versiani
Ainda imerso na banheira, mergulho no sono e, agora, na escadaria de pedra do sonho, suspiro de gozo ao ver que a mulher de cabelos negros fica nua e sopra em sua pele branca.
Se ela mergulha no sono agora sonha e, no sonho, leite não coalha.
Solitário pires sem xícara, eu levo o rádio ao banheiro, ao sótão, ao quarto. Adormecida a meu lado – Isadora – que eu insulto: água, você secou; laranja, você murchou; sete anos eu te engoli; areia eu te varri; caroço de manga eu te cuspi.
(...)
Isadora sempre olha para mim como se não me visse há anos; e nos vimos no café da manhã.
(...)

Ai de mim, se não dou atenção à Isadora, ela esparrama sal pela casa, atira os gatos pela janela, e diz que fugirá do meu romance mal escrito. Na cama, a chaleira com água quente, Isadora aguarda que eu durma. Como descansar ao lado de Isadora? Ela possessa de sonhos de vingança, esperneia, braceja, resmunga. Vai derramar água quente na minha cabeça?
Eu a desejo; ela não me deseja. Humilhado em meu brio de macho, eu esgano o pescoço da sacana – ela – que cai da cama, ameaça precipitar-se da janela.
Isadora bate a porta da sala de estar e arrasta no pó a roupa do varal.
Fragmento de  "Uma Breve Histoire  d´Amour"
de Fernando Karl
4 Responses
  1. Arrastar a roupa do varal no pó do chão mostra um descaso dela consigo mesma e não com o outro. Um conto pitoresco, gostei. Um abraço, Yayá.


  2. La Vanu Says:

    Yayá, essa Isadora é mesmo fogo! Gosto dela e gosto como o Fernando escreve.
    Bj


  3. san Says:

    Interessante, sem dúvida.
    Gosto bastante.